Fotos:
Paulo Sampaio
Por Diretor Presidente (***)
Desde dias
atrás, nosso conterrâneo, Alexandre Tenório, começou a escrever uma
série de artigos com o título: O Dia em que Bom Conselho Parou. Neles,
começou a descrever um dia importante na vida da nossa comunidade pelo
seu envolvimento com um programa de TV (http://www.citltda.com/2009/09/o-dia-que-bom-conselho-parou-1-parte.html).
Ele me inspirou para escrever sobre outro dia no qual nossa cidade
também parou. Neste caso o motivo era de tristeza e não de esperança
como aquele de que o Alexandre trata. O dia do enterro de Padre Alfredo
também parou Bom Conselho.
Quem tem a
minha idade, caminhando célere para figurar entre os primeiros a receber
a devolução do Imposto de Renda, e é de Bom Conselho, tem alguma
história pessoal para contar sobre este Padre, que, com o desconto da
escala do tempo, eu considero o nosso D. Hélder Câmara. Os dois eram
autênticos religiosos e devotos de sua fé na Igreja Católica, gostavam
da simplicidade, protegiam os mais fracos, eram envolvidos com causas
sociais importantes, e, principalmente nunca fugiram das lutas
políticas.
No
último dia 29 de junho fez 45 anos de sua morte. Na aldeia dos índios em
Águas Belas, não soubemos de nenhum repique de sinos sozinhos, não caiu
mais nenhum muro do hospital, e o povo continua com o padre na igreja
e, agora, com uma mulher na prefeitura, ao invés de um Coronel. E eu não
esqueço do dia do seu enterro.
“Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.”
Naquele dia,
ainda uma criança, ao invés de acompanhar o féretro, eu me antecipei.
Subi a serra de Santa Terezinha antes dele. Havia ainda árvores no
caminho. Entre um cruzeiro e outro, onde a serra mais se verticalizava,
subi em uma delas, sentei-me entre uns galhos que formavam uma
forquilha, logo abaixo de outro menino, que talvez tivesse o mesmo
propósito que eu.
“Sentindo-me
gravemente enfermo, além da pior das enfermidades a velhice, quero
deixar alguns esclarecimentos e algumas determinações sobre cousas de
minha pobre vida.”
Fora os fatos
de conhecer Padre Alfredo desde o meu batismo, as broncas que levava
dele ao ir me confessar, a ponto de mudar definitivamente para Frei
Leão, como meu confessor, e o ver nas missas dominicais, seu enterro
naquele dia, representava apenas mais uma forma de ver algo diferente em
nossa terra. Não era todos os dias que aquele movimento acontecia.
Lojas fechavam, sinos repicavam, pessoas andavam mais do que o normal,
chegando a correr. Para ser preciso, Bom Conselho não parou, com o
significado de ficar prostrado diante de um aparelho de TV. A cidade
parou de fazer tudo que fazia em dias normais para ver o Padre pela
última vez.
“Estou nas mãos de Deus – Meu Pai – e d’Ele aceito alegremente tudo o que Ele houve disposto sobre minha vida.”
Não era para
menos. Ninguém fora indiferente ao Padre Alfredo. Uns o amavam e outros o
odiavam, enquanto outros passavam por todos os pontos da linha
sentimental que levam a estes extremos. Sem querer julgar ninguém e nem
querer levar pessoas para o céu ou para o inferno, estes extremos eram
muito bem representados pelo Coronel Zé Abílio e pelo Seu Gabriel. Muito
do que o Padre Alfredo fez em Bom Conselho deve-se à influência destas
duas pessoas. Discordando de um e concordando com o outro. Na luta
política e na luta religiosa.
“A Ele
peço perdão pelos meus enormes pecados e deficiência. A Ele ofereço a
minha morte. Quero que ela seja um ato de amor perfeito à Santíssima
Trindade assim como um ato de total submissão e adoração à Sua Vontade
Soberana. Também de amor à Santa Igreja. Tenho muito medo da Justiça de
Deus, mas tenho uma confiança ilimitada na Sua Misericórdia Infinita.
Sou pobre. O pouco que possuía já foi distribuído. Pouquíssimo me resta.
Para maior clareza desejo e determino o seguinte:”
Não se pode
esquecer que os meandros da luta política em Bom Conselho parece até um
retrato fiel de tudo que se escreveu sobre Coronelismo em nossa região.
Em nosso caso, o Padre e o Coronel parecem ter saído dos livros de
história, como modelos. O poder religioso e o poder civil foram neles
representados fielmente. Ambos queriam casar e batizar a todos, um para o
voto, outro para missa. Quanto a seu Gabriel, tudo que o Padre Alfredo
fez em relação às festividades religiosas, ou quase tudo, deve-se a ele e
a seu time do Apostolado do Coração de Jesus (Lembro a escalação pela
metade: D. Maria Francisca, D. Donzinha, D. Etelvina, D. Rosa, D.
Expedita, D. Joaninha Cruz ...). Voltando ao enterro, com a minha idade,
achei mais importante, deixar todo aquele burburinho de lado, subir a
serra e me escanchar numa forquilha de uma árvore. Talvez, a mesma
árvore, que um tempo atrás visitei em peregrinação e em oração, pelo
milagre dela chover, e depois ter a decepção que a chuva era apenas
urina de besouros.
“1º) Na
cidade de Bom Conselho, os fundo da casa paroquial, construí um
sobrandinho e determinei ‘O Quixó’, para minha residência. Quero e faço
doação deste humilde prédio à SOCIEDADE DE SÃO VICENTE PAULO – ‘Casa de
São Vicente’ que tem personalidade jurídica, para o fim de auxiliar com
seus rendimentos ao ‘Abrigo D. Moura’ ou a Casa da Caridade de velhos
indigentes, que temos conservado e amparado até hoje com as esmolas dos
bons paroquianos. Terei o uso fruto enquanto viver e quero que seja
inalienável perpetuamente. Conflito no critério Justiça do nosso bispo
diocesano. No alto da Ermida de Santa Teresinha, num pequeno sítio,
junto à Capela que tem já seu patrimônio em terra e casas de aluguel,
fiz também um sobradinho para residência do Vigário ou do Capelão. Do
mesmo modo quero que seja incorporado ao Patrimônio da Ermida, com as
mesmas condições acima determinada:”
Certa hora da
tarde, já um pouco incomodado com a dureza da árvore, vejo uma multidão
vindo em minha direção, tornando-me uma ilha naquele mar de gente ou
vale de lágrimas. Orações, cânticos e choros eram ouvidos enquanto eu
observava de cima aquele fato, a meus olhos infantis, inusitado. Nem
passava pela minha mente quanto poder tinha a Igreja. Hoje sei que o
Padre era o único que podia peitar o Coronel. Pois acima do Coronel só
Deus, e o Padre era seu representante ou afilhado, como deveria pensar o
Coronel, e quem era afilhado, ele sabia, sendo fiel, ninguém podia
bulir. E, eu, como Jesus, vendo a multidão subi ao monte, ou pelo menos,
tentei, depois de descer, com dificuldade, de minha árvore camarote.
“2º)Biblioteca:
quase desaparecida! Não convêm dizer. Restam poucos livros todos eles
quero que façam parte da biblioteca do meu irmão mais novo, por um
educado – Jorge Pinto Damaso. Quanto porém aos livros eclesiásticos
ficarão sobe seus cuidado e destinados aos primeiro sacerdote da família
que venha a ordenar-se futuramente.”
Não consegui
chegar à Ermida de Santa Terezinha. Não presenciei o sepultamento. No
entanto, subi o bastante para ver quanta gente veio dar o último adeus
ao Padre Alfredo. Um homem, que é uma das principais referências
históricas de nossa cidade. A ideia de intercalar estas simples
lembranças com o conteúdo de sua Carta Testamento tem também o objetivo
de relembrar um documento que é histórico, não porque é do passado, ele o
é pelo poder que tem de influenciar o futuro.
“3º)
Minha casa: É paupérrima. Nunca me incomodou a falta de conforto. O meu
irmão Jorge disponha de tudo como quiser – lembrando-se de deixar
cadeiras e camas à casa paroquial. Lembrando-se também do Paulo e da
velha Júlia.”
Suas lições de
humildade e sua luta pelos menos favorecidos são evidentes. Se ele
mesmo pede perdão pelos seus enormes pecados e deficiências, imaginem
uma carta testamento do Coronel. Na História, ambos cumpriram seus
papéis. Tentemos cumprir os nossos.
“ATENÇÃO
No caso
de morte aqui no Recife – é preferível – o sepultamento aqui mesmo para
evitar atrapalhação e despesa no seio da família – no chão (cova bem
funda). Enterro paupérrimo. Não convém transportar para Bom Conselho.
Para que? melhor aqui mesmo.
No
caso de Bom Conselho, se morto lá – seria o sepultamento no páteo da
Ermida (antes da entrada) enrolado numa rede, presente de Alfredo Canuto
– rede de linho – do Amazonas. E dentro do caixão da caridade, se os
índios reclamarem – seria na Capelinha.
Ass. Pe. Alfredo Pinto Dâmaso”
Poucos destes
últimos pedidos foram atendidos. Ele morreu em Recife, mas não foi aqui
enterrado. Todos acharam que era melhor ele ficar em Bom Conselho. Nunca
tive informação para saber se ele foi enterrado na rede em que pediu e
no caixão da caridade, nem se os índios o reclamaram. Eu, de minha
parte, fui ao enterro e não vi o caixão, mas participei de um dia
importante para a História de Bom Conselho.
Estas linhas
já haviam sido escritas quando, na semana da criança, visitei nossa
terra. Com elas na cabeça, olhei para a Serra de Santa Terezinha. Ou o
Padre Alfredo está chamando a cidade para perto dele ou a cidade quer
ficar perto do Padre. Pois vi que ela já está quase chegando ao seu
túmulo, e se não houver uma intervenção do setor público, planejando sua
subida, brevemente, onde nosso querido Padre queria ser enterrado, no
pátio da Ermida, teremos várias barracas de caldo de cana. Turismo é uma
atividade saudável, turismo sem controle é um passo para destruição de
nossos bens culturais.
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(*) Carta Testamento transcrita do livro: De Capacaça a Bom Conselho, de Celina Ferro.
(**) Fotos gentilmente cedidas pelo Zé Carlos, com quem encontrei em Caldeirões dos Guedes.
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(***) Publicado no Blog da CIT em 09.11.2009
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